Banco Mundial, "gênero” e colonialidade: aportes desde a “América Latina”
Discussões acerca do papel das mulheres nas políticas desenvolvimentistas têm marcado o cenário internacional a partir da década de 1970. Instituições financeiras como o Banco Mundial (BM) vêm elaborando conceitos e ferramentas analíticas acerca da condição socioeconômica das mulheres e sobre como as disparidades de gênero se articulam ao desenvolvimento econômico. Fundado em 1944 com o mandato de fornecer suporte financeiro para a reconstrução de países no pós-guerra, o BM tem se consolidado como ator político, intelectual e financeiro, que associa a concessão de empréstimos ao apoio técnico para elaboração de políticas públicas, desenvolve uma vasta produção intelectual e exerce liderança na organização de políticas, sobretudo endereçadas aos países do Sul global. Gênero, então, é tratado neste estudo como objeto situado no entrecruzamento de campos de saberes diversos e minha forma de acessá-lo se deu a partir dos estudos feministas, compreendendo-os como teoria política, ética filosófica, movimento social e posição política. A inserção de questões relacionadas a gênero no campo da saúde coletiva se deu no Brasil a
partir de 1980. A utilização do termo passou a figurar nos estudos teóricos na década de 1990, ganhando força a partir dos anos 2000, sendo a questão, na saúde coletiva, inscrita criticamente no caráter multidisciplinar da área e, neste sentido, a compreensão das desigualdades de gênero se situa no contexto da determinação social da saúde. Investigou-se o tema no âmbito de uma antropologia da dominação, buscando-se analisar o contexto histórico-social em que o BM vem atuando e desenvolvendo suas práticas sociais, os referenciais teóricos e ideológicos que as sustentam, os modos como a instituição tem elaborado proposições sobre a temática de gênero para a região da América Latina e Caribe. Pautando-me nos aportes decoloniais, atentei para as lógicas imperialistas/colonialistas que marcam tanto a delimitação do continente como a própria “ideia” de América Latina. Gênero tem sido utilizado de diversos modos: em oposição a sexo, contrapondo fatores biológicos aos culturais; de modo indistinto a sexo; como variável empírica ao invés de categoria de análise; como substituto à mulher ou ainda com ênfase no aspecto relacional, sem, no entanto, que se
considerem as desigualdades de poder. Embora retoricamente o BM faça referência à equidade e à justiça social, seus principais argumentos são, e a questão de gênero não foge à regra, econômicos e instrumentais, longe da consideração de gênero em sua constituição com classe, raça e sexualidade. O BM reveste suas práticas e proposições teóricas de uma aparência técnica de neutralidade, mas é altamente normativo, promovendo e construindo uma colonialidade do saber no tratamento da questão, o que se revela sobremaneira na construção de representações sobre mulheres, homens e gênero. A partir de uma perspectiva decolonial, o aparato de gênero que o Banco vem operando pode ser lido como inscrito na colonialidade de gênero, que se refere à opressão de gênero racializada capitalista. A forma como é
operacionalizado pelo BM o conceito de gênero, em conjunção com os de agência e empoderamento, marcantemente estruturada pela subordinação ao mercado e à lógica
neoliberal, não deixa margem para a construção e fortalecimento de laços de solidariedade coletivas.