Dilemas e contradições da reestruturação do processo de trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde e seus efeitos para Atenção Primária em Saúde

O presente estudo, desenvolvido a partir de uma abordagem qualitativa, traz como objetivo principal analisar os efeitos que as recentes mudanças, advindas da reformulação da PNAB e da legislação que norteiam a atuação dos ACS, provocam no processo de trabalho destes profissionais e no desenvolvimento de uma APS abrangente. Os ACS foram instituídos no sistema público de saúde, adquirindo papel estratégico para o desenvolvimento dos programas implementados a partir da década de 1990, sendo incorporados às equipes de saúde para atuarem como um elo entre a comunidade e os serviços. Apesar disso, recentemente eles vêm sofrendo uma série de ataques com a reformulação da política e da legislação que norteiam a sua atuação. Essas mudanças preconizadas, além de colocarem em risco a sua subsistência no
SUS, tendem a reconfigurar/descaracterizar o seu processo de trabalho, podendo gerar uma série de implicações no seu cotidiano e na resolutividade da APS. Sendo assim, este estudo foi desenvolvido a partir uma revisão bibliográfica e documental, associada a um estudo de campo, através da aplicação de um questionário de caracterização do perfil dos ACS e realização de entrevistas semiestruturadas com ACS e gestão da APS do município de Pinheiral- RJ. A partir dos resultados obtidos na pesquisa, percebemos um movimento de descaracterização progressiva do trabalho desenvolvido por essas profissionais, ao longo dos anos. Houve uma gradativa ampliação dos seu escopo de práticas, associada à burocratização do seu trabalho. Tudo isso, além de impactar no redirecionamento do sentido do trabalho dessas profissionais, produz diversos efeitos na motivação dessas trabalhadoras e na qualidade do trabalho desenvolvido na APS. Portanto, acreditamos que a nova PNAB tenha promovido uma intensificação de questões que já estavam presentes no cotidiano de trabalho dessas profissionais. O documento retoma uma racionalidade biomédica de atenção à saúde, que nos remete à uma concepção de APS extremamente focalizada e seletiva, muito defendida pelos organismos internacionais, que entende a saúde muito mais como um fenômeno biológico e
natural, do que a expressão das suas múltiplas determinações. Ressaltamos ainda, os diversos fatores que podem interferir nesse processo, e a necessidade e urgência da instituição de mecanismos efetivos de resistência e luta pelo resgate do papel essencialmente proposto para estas profissionais.

Data: 
2020
Autor: 
Jose Henrique de Lacerda Furtado